Artista: pintor francês Jacques-Louis David
Neoclassicismo . óleo sobre tela . 130 cm x 196 cm . ano 1.787
CIVILIZAÇÃO GREGA, 399 a.C.
“...quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto. (...) o temer da morte não é outra coisa que parecer ter sabedoria, não tendo. (...) Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males. E o que é senão ignorância, de todas a mais reprovável, acreditar saber aquilo que não se sabe? (...) Mas fazer injustiça, desobedecer a quem é melhor e sabe mais do que nós, seja Deus, seja homem, isso é que é mal e vergonha. Não temerei nem fugirei das coisas que não sei se, por acaso, são boas ou más. (...) Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos Deuses em vez de obedecer a vós, e enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença, dizendo-lhe, como é meu costume: Ótimo homem, tu que és cidadão de Atenas (...) não te envergonhas de fazer caso do dinheiro, da glória e das honrarias e, depois, não fazer caso e nada te importares com a Sabedoria nem com a Verdade? (...) Isso justamente é o que me manda o Deus, e vós o sabeis, e creio que nenhum bem maior tendes na cidade, maior que este meu serviço do Deus. (...) não se preocupem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados. (...)
...que eu seja corajoso ao menos defronte a morte. (...) Não espereis, cidadãos atenienses, que eu seja constrangido a fazer, diante de vós, coisas tais que não considero nem belas, nem justas, nem santas, especialmente agora, por Zeus, que sou acusado de impiedade (...) encarrego a vós e ao Deus de julgar a mim, do modo que puder ser o melhor para mim e para vós. (...) Estando, pois, convencido de não ter feito injustiça a ninguém, estou bem longe de fazê-la, a mim mesmo e dizer, em meu dano, que mereço um mal, e me assinalar um de tal sorte. (...)
...digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida. (...)
Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. (...) Agora, pois, quero vaticinar-vos o que se seguirá, ó vós que me condenastes, (...) Digo-vos, (...) que logo depois da minha morte virá uma vingança muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual me tendes sacrificado. Fizestes isto acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta da vossa vida, mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário. (...) Se acreditais, matando os homens, entreter alguns dos vossos críticos, não pensais bem; esse modo de vos livrardes, não é decerto eficaz nem belo, mas belíssimo e facílimo é não contrariar os outros, mas aplicar-se a se tornar, quanto se puder, melhor. Faço, pois, este vaticínio a vós que me condenastes. Chego ao fim. (...)
...o sinal do Deus não se me opôs (...) Em todo este processo (...) Qual suponho que seja a causa? Eu vo-la direi: em verdade este meu caso pode ser um bem, e estamos longe de julgar retamente quando pensamos que a morte é um mal. (...) Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. (...) Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite. (...) Se, ao contrário, a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? (...) deveis ter boa esperança em relação à morte, e considerar esta única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante a vida, nem depois da morte (...)
Não foi com esse pensamento, entretanto, que eles votaram contra mim, que me acusaram, pois acreditavam causar-me um mal. Por isto é justo que sejam censurados. (...) É a hora de irmos: eu para a morte, vós para as vossas vidas; quem terá a melhor sorte? Só os Deuses sabem." (Apologia de Sócrates, por Platão)